quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O caso de Miguel (dinâmica feita na aula de Português)

    PARTE I
    Miguel é um artista, solteiro, de boa aparência, 33 anos de idade. Eis a seguir como foi percebido por diversas pessoas no dia X.

    RELATO DA MÃE:
    Miguel levantou correndo, não quis tomar café, não ligou para o bolo que eu fiz especialmente para ele. Só apanhou o cigarro e fósforos. Não quis botar o cachecol que eu dei. Disse que estava com pressa. Ele continua sendo uma criança que precisa de atendimento, pois não reconhece o que é bom para si.

    RELATO DO CHOFER DE TÁXI:
    Hoje de manhã apanhei um sujeito que não fui muito com a cara dele. Estava de cara amarrada, seco, não queria saber de conversa. Tentei falar sobre futebol. sobre política, sobre tráfego e sempre me mandou calar a boca, dizendo que tinha de se concentrar. Desconfio que ele é um cara subversivo, desses que a polícia anda procurando ou desses sujeitos que assaltam chofer de táxi para roubar. Aposto como estava armado. Fiquei louco para me livrar dele.

    RELATO DO GARÇOM DA LANCHONETE:
    Ontem à noite ele chegou aqui acompanhado de uma morena muito bonita, por sinal. Mas não deu a menor bola para ela. Passou o tempo todo olhando pra tudo que é mulher que chegava. Quando entrou uma loira de vestido colante, me chamou e quis saber quem era ela. Eu disfarcei e passei por perto e só pude ouvir que ele marcava um encontro às nove da manhã, bem nas barbas do acompanhante dela. Sujeito peitudo... Eu também dou minhas voltinhas, mas essa foi demais.

    RELATO DO ZELADOR DO EDÍFICIO:
    Ele não é muito certo da bola, não. Às vezes cumprimenta a gente, outras não. As conversas dele a gente não entende. É parecido com um parente meu que enlouqueceu. No dia X, de manhã, chegou com um olhar estranho e disse que tudo no mundo é relativo, que as palavras não eram iguais para todos, e nem as pessoas. Me deu um puxão na gola e disse que via coisas diferentes. Disse também que quando pintava um quadro, aquilo é que é verdade, dava risadas. Está na cara que ele é lunático.

    RELATO DA FAXINEIRA:
    Ele anda sempre com ar misterioso. Os quadros que ele pinta, a gente não entende. Quando ele chegou, na manhã X, me olhou meio enviesado e eu tive pressentimento que ia acontecer alguma coisa ruim. Pouco depois chegou a moça loira. Ela me perguntou onde encontrar ele e eu disse. Daí a pouco ela gritou e eu saí correndo. Abri a aporta de supetão e ele estava com uma cara furiosa para ela, cheio de ódio. Ela estava jogada no divã e no chão tinha uma faca. Eu saí gritando: “Assassino! Assassino!”

    PARTE II
    Eis a seguir como Miguel relata o que aconteceu no dia X:

    Eu me dedico à pintura de corpo e alma. O resto não tem importância.
    Há meses que eu quero pintar uma Madona do século XX, mas não encontrava um modelo adequado, que encarnasse a beleza, a pureza e o sofrimento que eu quero retratar. Na véspera do dia X, uma amiga me telefonou dizendo encontrara a modelo que eu procurava e propôs nos encontrarmos na boate que ela frequentava.
    Eu estava ansioso para vê-la. Quando ela chegou, fiquei fascinado: era exatamente o que queria. Não tive dúvidas. Fui até a mesa dela, me apresentei, pedi para posar para mim. Ela aceitou posar e marcamos um encontro no atelier às nove horas da manhã.
    Eu nem dormi direito aquela noite, me levantei ansioso, louco para começar o quadro, nem podia tomar café, de tão ansioso.

    No táxi, comecei a fazer um esboço, pensando nos ângulos, as figuras, formas, cores, jogo de luz e textura, nas sombras, matizes.

    Quando entrei no edifício eu estava cantando baixinho. O zelador falou comigo e eu nem tinha prestado atenção. Aí eu perguntei: “O que foi?” E ele disse: “Bom dia.” Nada mais que um Bom dia. Ele não sabia o que aquele dia representava para mim: sonhos, fantasias, aspirações, tudo iria se tornar realidade, enfim, com a realização daquele quadro. Eu tentei explicar para ele. Eu disse que a verdade era relativa, que cada pessoa vê a mesma coisa de forma diferente. Quando eu pinto um quadro, aquilo é a minha realidade. Ele me chamou de lunático. Eu dei uma risada e disse: “Aí está a prova do que eu disse”.
    Quando eu subia a escada, a faxineira veio me olhar. Não gosto daquela velha mexeriqueira.
    Entrei no atelier e comecei a preparar a tela e as tintas. Quando eu estava limpando a palheta com uma faca, a campainha tocou. Abri a porta e ela entrou, estava com o mesmo vestido da véspera e explicou que passara a noite em claro, numa festa. Pedi que sentasse no lugar indicado e imaginasse inocentes sofrendo... Foi aí que ela me enlaçou o pescoço com o braço e disse que eu era simpático. Afastei seus braços e perguntei se bebeu. Ela disse que sim, que a festa estava ótima, que foi uma pena eu não estar lá. Quando me abraçou de novo, empurrei-a e ela caiu no divã e gritou.
    Nesse instante a faxineira entrou e saiu berrando: “Assassino! Assassino!”
    A loira levantou-se e foi embora me chamando de idiota. A minha Madona...

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